Wave-Gotik Treffen 2024: Mais de três décadas de perseverança

31! Este é o número impressionante de edições do Wave-Gotik Treffen, o maior festival Gótico do Mundo. Este é um festival cuja história se confunde com a História da Democracia, pós II Guerra-Mundial, da própria Alemanha. A primeira edição ocorreu em 1992, na cidade Alemã de Leipzig, quando um grupo de amigos se lembrou de organizar um encontro Gótico ao som de bandas como Das Ich, Goethers Erben e The Eternal Afflict. A sala escolhida foi o Eiskeller, no Sul da cidade, tendo sido também aqui que se realizou o lendário do concerto dos Mayhem, em Novembro de 1990. Uma sala que fica na história de géneros musicais como Black Metal e Gótico. É notável imaginar que, num período tão conturbado da história da Alemanha de Leste, com a queda do Muro de Berlim e a implantação de uma Democracia, tenha havido pessoas com a coragem de organizar concerto como os mencionados anteriormente. A eles lhes devemos muito da nossa história e aqui o nosso muito Obrigado e eterno tributo de gratidão!


Quanto à edição de 2024, o cartaz foi promissor e cumpridor! Houve de tudo para todos os gostos: desde os ferrenhos Metaleiros (como este vosso escriba), aos mais aficionados Góticos passando até pelo Mainstream! Para os primeiros tivemos bandas como os nossos Gaerea, que se encontravam em digressão com os Wolves in The Throne Room e os Ophis, enquanto os segundos tiveram nomes como Agonoize, Merciful Nuns, Umbra et Amigo entre outros. Para os últimos, tivemos os Editors naquilo que poderá indicar uma nova direcção por parte do Festival e do futuro público alvo. Os concertos espalharam-se, uma vez mais, por todos os “sete cantos” da cidade obrigando os festivaleiros a participar em autênticas romarias pela belíssima cidade de Leipzig. Mas é assim mesmo que se quer o festival, para que se possa conhecer todos os cantos à casa e todas as salas. Salas estas que incluem o Felsenkeller (com capacidade para umas 600 pessoas), a enorme Agra (com capacidade para cerca de 10000 pessoas, sala aonde tocam os cabeças de cartaz) ou a SchausspielHaus, uma espécie de casa da Música com uma acústica irrepreensível e uma toada mais clássica e requintada. 

Primeiro dia – o início das romarias

O festival inicia-se, como sempre, com o tradicional Pic-Nic Victoriano que acontece no Clara Park. No início da tarde do primeiro dia (Sexta-Feira) milhares de pessoas reúnem-se no mencionado parque com trajes Góticos, Victorianos, Fetish e tudo mais o que se possa imaginar, para fazerem um Pic-Nic por todo o enorme parque. É verdadeiramente impressionante e encantador passear por entre os participantes e deleitar-se com toda a fantasia e beleza que nos transporta para um mundo único e surreal, de tão belo. As fotos que a nossa fotógrafa Tilly tirou, apesar de toda a sua beleza, não fazem justiça a tamanha magnitude de autenticidade e excelência. De seguida, foi uma corrida até ao longínquo Hellraiser (viagem de mais 30 minutos de transporte públicos) para ver os nossos Gaerea a apresentarem-se, uma vez mais, em Leipzig. Desta feita, os nossos compatriotas vieram acompanhados dos Americanos Wolves in The Throne Room com suporte por parte de Ophis (DE), Anomalie (AT) e Mortiferum (US). A digressão, de nome “Crypt of Ancestral Knowledge European Tour”, era imperdível e prometia uma noite avassaladora! E assim foi! Os Americanos Mortiferum foram os primeiros a abrir as hostilidades com o seu Death/Doom lento, arrastado e cavernoso. “Funeral Hallucinations”, um colosso de música com mais de 7 minutos, deu o mote de entrada enquanto “Inhuman Efigy” daria o tom de saída. Um bom concerto para uma sala ainda relativamente vazia.

Os Alemães Ophis ficaram encarregados de continuar as hostilidades e apresentaram-nos quatro temas, poderosos e longos. Bastante longos, com mais de 10 minutos cada. O quarteto, que conta com mais de 20 anos de existência, toca um death/doom lento e pesado, mas extremamente competente e cativante. Um bom concerto. 

De seguida, foi a vez dos Austríacos Anomalie, com um som numa toada mais Post-Black Metal. Uma apresentação competente e bem conseguida por parte do sexteto que nos apresentou temas como “Trance I: The Tree” e “Trance II: Relics”.

Por fim, os nossos headliners Gaerea! E aqui é que se notou um salto enorme tanto na qualidade, seja ela musical ou técnica, bem como toda a presença e energia em palco. Os Gaerea não nos deram um único segundo de pausa para respirar, tendo sido devastação sonora do princípio ao fim alicerçada pela bateria demolidora de Diogo Mota, uma máquina de blast-beats incansável! A entrada deu-se com os quatro elementos da banda, exceptuando o vocalista Guilherme, a debitarem as primeiras notas de “Mantle”, do mais recente álbum “Mirage”, a exaltarem os presentes. Com a entrada do vocalista, foi uma apoteose ensurdecedora! O excelente “Salve” foi-nos apresentado com uma selvajaria impressionante que avassalou todos os presentes, sentindo-se um autêntico tsunami sonoro! “Deluge”, “World Ablaze” e “Urge” foi outros dos temas escolhidos para este regresso dos nossos Gaerea a Leipzig. “Laude” fechou a actuação dos Portugueses e deixou todos os presentes a salivar e implorar por mais. No entanto, tal não seria possível uma vez que os Norte-Americanos Wolves in The Throne Room (WITTR) ainda teriam que subir ao palco. 

Com o palco decorado com arranjos florais, adornados por imensa velas e um incenso fortíssimo, os WITTR apresentaram-nos um espectáculo mais introspectivo e contido, por oposição à absoluta catarse selvagem dos Gaerea, mas ainda assim extremamente eficaz e fascinante. Abrindo com “Behold to Clan” e “Twin Mouthed Spring”, do mais recente EP que batiza esta tour, os 5 elementos do WITTR enfeitiçaram os presentes com a sua hipnótica paisagem sonora! As imensas “Vastness and Sorrow” e “Thuja Magus Imperium” deram continuação a um excelente concerto que deixou todos os presentes satisfeitos. O que não era fácil depois da prestação dos Gaerea! “Crown of Stone” e “Queen of the Borrowed Light” encerraram uma belíssima noite! A Versus, no fim do concerto, teve a oportunidade de se encontrar com os Gaerea e receber a informação de que o próximo álbum sairá no final deste ano. Já estamos a contar os dias!

Segundo dia – Deambulando entre a Vila Medieval e o Felsenkeller

O segundo dia iniciou-se com uma visita à HeyDnisches Dorf, a belíssima vila Medieval, aonde se pode ver concertos, comprar Mett (entre outras coisas) e fazer um pic-nic enquanto tudo à nossa volta se move. O primeiro concerto foi dos Vera Lux, uma banda Alemã, que se inspira tanto no Pop como no Metal para criar a sua mescla única e, diríamos até, interessante. Com apenas dois álbuns lançados, o quinteto liderado pela vocalista Inara, conseguiu exaltar os ânimos e até levantar alguma poeira! Músicas como “Aus Dem Nichts” e “Maskenball” foram tocadas com precisão, energia e perícia. Um bom início de tarde, de facto!A banda que se seguiu despertou, desde o anúncio da sua presença, a nossa enorme curiosidade. Os Irdorath, oriundos da Bielorússia, deram o seu primeiro concerto desde a sua libertação e exílio! Uma ocasião definitivamente especial, como mencionou a vocalista, notando-se uma enorme comoção na sua voz. Os Irdorath, não confundir com a banda de Black-Metal com o mesmo nome, praticam um animado Fantasy Folk-Metal e tiveram uma aderência total por partes dos presentes. Temas como “Vaukalak”, “Dimna Juda” e “Rusalka” animaram, e de que maneira, os presentes. Com uma violoncelista e um baterista em palco, a banda liderada pela vocalista Nadezhda Kalach e pelo seu marido Uladzimir Kalach , que também se encarregam de instrumentos como Sanfona e Gaita-de-Foles, celebraram a sua e nossa liberdade e nós celebramos com eles. Bem-vindos de volta!

De seguida, foi hora de correr até ao Felsenkeller, na outra ponta da cidade, para assistir ao puro requinte e classe dos Die Kammer. Nós já os tínhamos visto há cerca de 5 anos, na SchausspielHaus, e já estávamos com bastantes saudades! Desta feita, “apenas” acompanhados por um violoncelo, os Die Kammer deram uma autêntica masterclass de eloquência e maestria musical. Iniciando o concerto com a belíssima e assombrosa “My Deary Don`t Worry”, do recentemente lançado “Season V – Maybe forgotten. Maybe glorious.”. “Cold Cold Comfort” e “Ignoring my Safeword”, do mesmo álbum, foram as músicas que se seguiram. O público, já conhecedor da originalidade destes Senhores, deixou-se levar por uma paisagem Gótica, acústica e encantadora sendo que a banda, a jogar em “casa”, mostrou uma simpatia e sintonia totais com os presentes. De notar que os Die Kammer organizam, anualmente, um encontro com os seus fãs denominado de “Kammerfeuer” no qual se pode acampar, grelhar e, à noite, cantar músicas juntamente com a banda à volta de uma fogueira. Algo em que o vosso escriba tentará participar este ano! “Bedroom Wars”, do anterior “Season IV: Some Things Wrong”, enquanto “I Am Leving Now” e “I’ve Given up to Cry”, do mais recente disco, foram os temas que se seguiram. Os Die Kammer demonstraram, ao longo do concerto, toda a sua mestria e classe num concerto requintado e único. “The Orphanage” e “Ago”, do início da sua carreira, fecharam uma belíssima noite deixando o público a suplicar por mais. 

Mas, como ainda teríamos que “levar” com os também Alemães Umbra et Imago, não houve tempo para encores. E o que dizer do concerto desta lendária banda? Para além do famoso Cunnilingus e dos problemas sonoros que obrigaram a banda a fazer uma pausa de 10 minutos e a pedir ao público para “ir apanhar ar”? “Märchenlied” e “Requiem der Nephilim” foram as primeiras músicas escolhidas para apresentar a uma sala completamente esgotada e em euforia. Não era para menos uma vez que os Umbra et Imago são uma banda icónica e seminal na cena Gótica Alemã e Mundial. “Liber Gott”, “Goth’ Music” e “Milch” constituíram o interlúdio para um poderoso e competente (tirando todos os problemas) concerto. Para finalizar, a repetida “Alles Schwarz” permitiu à banda uma bela despedida.

Terceiro dia – o dia do Metal, finalmente!

O terceiro dia prometia ser o mais “apetitoso” para todos os Metalheads. Com a presença de bandas como Primordial, Sirenia, Keep of Kalessin e Tiamat (com um set muito especial), o único problema era mesmo escolher aonde estar. Isto porque Primordial e Keep of Kalessin tocavam à mesma hora, mas em sítios diferentes. O que obrigou a nossa equipa a escolhas complexas. Mas antes disso, comecemos pelo início e pela primeira banda a que nos votamos ver que foram os Húngaros Dalriada. Já os tínhamos visto há cerca de 5 anos, também neste festival, e ficamos impressionadíssimos com o concerto, a força e energia destes Senhores. E, desta feita, não voltaram a desiludir e notou-se uma certa alegria em tocar na Vila Medieval, um cenário que se adequa perfeitamente à sua belíssima música. O início deu-se ao som da electrizante “Betyár-altató” do mais recente álbum Őszelő, de 2021, o que levantou uma imensa poeira por toda a vila Medieval tal foi a adesão e euforia por parte dos presentes! “Napom, fényes napom” do mais longínquo “Napisten hava” fez relembrar as raízes mais agressivas da banda, enquanto “Dúvad” nos trouxe de volta ao mais recente lançamento. Laura Binder, vocalista, é um portento de energia em palco encantando todos com a sua belíssima voz e danças que tão bem se adequam a este Folk-Metal que, infelizmente, ainda é pouco reconhecido dentro do próprio estilo. Para finalizar um excelente concerto fomos presenteados com “Komámasszon” e “Hajdútánc”, esta última sendo já do requisitado Encore.

Os seguintes eram nem mais nem menos do que os lendários Primordial! Os Irlandeses regressavam a um festival no qual, tal como os Dalriada, já tinham tocado e sentiu-se essa euforia por estarem de regresso! Com a icónica “As Rome Burns”, do longínquo “To The Nameless Dead”, os Primordial deram um concerto irrepreensível e icónico, dentro do seu próprio estilo! A arena em frente ao palco estava a “arrebentar pelas costuras”, o que era esperado uma vez que o nome destes senhores é lendário dentro da nossa bem-amada cena! As mais recentes “How It Ends” e “We Shall Not Serve” foram apresentadas de seguida e relembraram todos os seguidores do último álbum, a sair muitíssimo em breve. Tudo o que Primordial produz é épico, singular e dramático, à sua própria maneira. A calma “The Mouth of Judas” amainou os ânimos e permitiu-nos recuperar um pouco do nosso fôlego! Há que dizer que os Irlandeses continuam coesos como sempre e, sendo este o terceiro concerto que presencio, as expectativas não saíram defraudadas. Antes pelo contrário! Um excelente concerto numa belíssima Vila Medieval.

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