WGT 2022: O regresso…Em força!

Depois de três anos de interregno, impostos por aquilo que todos nós sabemos, o Wave Gotik Treffen regressou para a sua 29ª edição. Dúvidas houve muitas sobre em que moldes se iria se realizar este “encontro” festivaleiro da cultura Gótica mas também sobre se a adesão ressuscitaria este festival e a própria cena. As dúvidas em relação à última questão ficaram imediatamente dissipadas sendo notório, desde a primeira hora, que esta 29ª (!!!) edição seria, de facto, um tremendo sucesso. Quanto à primeira, houve algumas incertezas até à última hora sobretudo em relação à utilização da Agra Messe uma vez que a cidade de Leipzig planeia usar essa imensa área para deslocar os milhares de refugiados que recentemente chegaram a esta zona do País. Compromissos foram estabelecidos o que permitiu à organização usar essa mesma área que, todos os que já participaram concordariam, é o coração deste festival na cidade de Leipzig. Alberga um enorme pavilhão que serve, de um lado, para uma “feira” de todos os tipos de artigos de vestuário e indumetária que se possa imaginar e, do outro, uma enorme sala de concertos em que os nomes principais do festival actuam. Exemplos seriam, este ano, Garry Numan, Lacrimosa entre outros. Por fim, o parque de campismo oficial também se encontra nesta área que faz “fronteira” com a vila medieval, na famosa Torhaus Dölitz.

Fotos: Tilly Domian | Facebook
Texto: Eduardo Rocha | Facebook
Mais info: https://www.wave-gotik-treffen.de/ | Facebook


Alcest

Quem já leu uma das, ou porque não todas, minhas reviews às edições anteriores ou quem por cá já andou, sabe bem o quão único este festival é. Para quem ainda não o conhece, tentarei dar uma introdução: imaginem uma cidade com o dobro da população do Porto que, durante um fim-de-semana prolongado, é invadida por mais de 20 mil Góticos e fãs da cena. Adicionem depois todo um conjunto único de salas de concertos, desde as já mencionadas Agra e vila medieval passando por “casas da música”, Hard Clubs e um ou dois Coliseus. Imaginem tudo muito bem interconectado por um eficaz sistema de transportes públicos (bilhete incluído com o bilhete do festival) e, sobretudo, um cartaz extremamente heterógeneo em que Garry Numan, Alcest, Linda Fay e Forndom (para citar apenas alguns) são todos cabeça de cartaz dentro da sua “sub-cena”. É difícil encontrar alguém que tenha visto exatamente as mesmos espéctaculos que nós ou estado no mesmos venues dada a variedade e imensidade do cartaz do festival.

A tradição manda que as hostilidades se iniciem com o tradicional e sempre encantador picnic Victoriano, que se realiza num enorme parque da cidade. Entre alguns milhares de participantes, todos eles vestidos com as roupas mais exóticas e Victorianas, e apreciadores do espectáculo, o parque ganha uma vida diferente e, de certa forma, encantadora e deslumbrante. Os nossos fotógrafos estiveram presentes e fizeram um registro fotográfico impressionante do qual partilhamos aqui algumas fotos. De seguida, estava na altura de ir buscar as nossas credenciais e assistir ao primeiro concerto do festival. Como já mencionei acima, toda esta parte logística passa-se no Agra Messepark sendo também aí que assistimos a um poderoso concerto dos Letzte Instanze, uma reconhecida banda Alemã da cidade vizinha de Dresden. E o que assistimos foi a um poderoso concerto destes senhores que presentearam a audiência com concerto de cerca de 90 minutos, durante o qual exploraram a sua já longa discografia que conta com 11 álbuns. Com uma sonoridade assente no violino e violoncelo acompanhados de riffs e melodias bem pesadas, os Letze Instanz sentiram-se a jogar em casa e levaram os presentes à loucura. A sala principal já se encontrava bastante bem composta, tendo em conta que se tratava da primeira banda a actuar. A abrir o concerto com Ehrenwort e Neuen Held, seguiram-se temas Wir Sind Eins e um medley de The Lion Sleeps Tonight, o que foi um momento algo caricato mas também divertido. Como já mencionado, um excelente concerto de uma banda com bastante experiência e carisma em palco sabendo como articular as unicidades do seu line-up, com o dueto de cordas, relegando para segundo plano as tradicionais guitarras e linhas de baixo.

Letze Instanz

De seguida foi altura de nos deslocarmos à vila medieval para assistir a um algo raro, e também único, concerto de Forndom, o projecto de Ludwig Swärd. Fomos de facto hipnotizados pelo ritualismo e esoterismo da sua música sendo que Ludwig se apresentou sozinho em palco. Enquanto as partes instrumentais eram reproduzidas, o Sueco ou executava alguns rituais, olhava para o infinito ou escondia-se debaixo da sua túnica enquanto entoava os vocais que tanto nos encantam nos seus registros em estúdio. Temas como Jakten e Yggdrasil, do mais recente Fabhir, e Nio Nätters led, do mais longínquo Daudra Dura, este mais um concerto ímpar e deslubrandor por parte de um artista que era certamente desconhecido por muitos dos presentes. Certamente que todos se irão recordar do que vivenciaram durante aquela actuação.

O segundo dia foi daqueles dias cheios em que todos as bandas de nos chamaram a atenção e obrigaram-nos a chegar bem cedo à Westbad, uma antiga piscina, ou “casa de banhos” convertida em sala de espectáculos. O line-up desse dia era realmente promissor e as hostilidades iniciaram-se com os Germânicos Decembre Noir. E, de notar, a sala já estava bastante bem composta porque os Alemães fazem mesmo questão de apoiar as suas bandas. Foi um bom concerto, se bem que houve uns problemas a nível de som e talvez um, ou dois, “pregos” sendo que, para mim, ficou a impressão de que estes senhores poderiam ter feito melhor. Temas como “Hope/Renaissance”, “Barricades” e a já mais antiga “Small Town Depression” foram alguns dos escutados durante cerca de uma hora. De seguida, fomos presenteados com um belíssimo concerto da AA Williams, uma pianista e violoncelista proveniente do Reino Unido que escreve músicas hipnotizantes, repletas de paisagens atmosféricas e melancólicas e também algo psicadélicas, em que a sua belíssima voz nos guia numa impressionante viagem que roça o post-metal e o progressivo mas também o agressivo. Foi um concerto que certamente apanhou muita gente de surpresa, este vosso escrita incluído. “Evaporate”, “Melt” foram tocados de forma exímia e deixam-nos a salivar pelo novo álbum “Forever Blue”. AA Williams foi também o perfeito aperitivo, passe a expressão sem intenção nenhuma de denegrir a sua performance, para um também excelente concerto de GGGOLDDD. Assente na maioria no mais recente “This Shame should not be mine”, os holandeses iniciaram-se com as hipnóticas “I wish I was a Wild Thing With a Simple Heart” e “Strawberry Supper”. Liderados pela imponente Milena Eva, este álbum tem uma atmosfera pesada e perturbadora sendo que a vocalista explora e lida com os seus traumas do passado neste álbum conceptual. Os presentes ouviram com atenção e, apesar de não ser um disco fácil, a prestação do colectivo, com especial foco na vocalista, foi irrepreensível tendo sido este para mim, sem dúvida, um dos melhores concertos do festival. Este e o dos cabeça de cartaz que se seguiram: os franceses Alcest.

Brutus

Mas antes de falarmos dos Franceses, teremos que descrever o concerto da banda que os antecedeu. E, na minha opinião, foi um grupo ou tanto ou quanto fora de contexto, tenho em conta o alinhamento deste dia, mas ainda assim foi uma excelente aposta. Estou a falar portanto de um trio Belga que dá pelo nome de Brutus que toca algo na área do post hardcore. O lineup da banda em cima do palco é diferente do que costumamos ver com a vocalista e baterista (combinação rara!!!) Stefanie a ocupar o lado direito do palco acompanhada do baixista Peter Mulders e do guitarrista Stijn Vanhoegaerden, todos eles bem chegados à frente e bem perto do público. O que se assiste num concerto deste trio é uma contante explosão de adrenalina e energia libertada com os berros imponentes de Stefanie enquanto destrói (passe a expressão) a bateria e lhe dá aquela imponência rítmica que conduz os restantes elementos. É algo de verdadeiramente impressionante! Temos que admitir que não os conhecíamos mas, após algumas pesquisas, descobrimos que Lars Ulrich dos Metallica é um enorme fã destes senhores, tendo mesmo tocada um dos singles no seu podcast! Quanto a temas, assistimos a “All along”, “Cemetary” e à surpreendente, mas lógica, cover de “Zombie” dos míticos e saudosos Cranberries. Por fim, a fechar a noite tivemos os Franceses Alcest. É já o meu quarto concerto, três dos quais em edições anteriores deste mesmo festival mas tenho que admitir que, de cada vez que vejo estes senhores, eles estão cada vez melhores. Torna-se então fácil perceber a aposta “repetitiva” mas há que salientar que os Alcest estão cada vez maiores e mais headliners e que os seus concertos são simplesmente algo de sublime e impressionante. Este foi, sem dúvida alguma, o melhor concerto que vi deles competindo directamente com o primeiro, na minha terra natal Braga, na digressão do “Écailles de Lune” e com o terceiro que foi no Volkspalast, um mini-palácio urbano de mais pequenas dimensões no qual os Alcest tocaram na ala principal. O foco da prestação foi, está claro, no mais recente (de 2019) “Instinct” e as faixas escolhidas foram “Les Jardins de Minuit”, “Protection” e “Saphire” nesta mesma ordem. As paisagens sonoras que os Alcest conseguem criar com o duo de guitarras e a belíssima voz de Neige são algo que ganha uma nova potência ao vivo, sendo que parece que a banda consegue libertar em palco toda aquela energia, beleza e magnitude das suas músicas, não se intimidando por alguma da delicadeza e sensibilidade das suas mesmas. Que grande concerto este que durou bem mais de uma hora (lá está…cada vez mais com postura de headliners e com todo o direito)! “Écailles de Lune – Part 2”, talvez a sua música mais reconhecida, não poderia faltar e lembrou-nos aquelas raízes ainda mais agressivas que andam mão a mão com todas aquelas paisagens acima mencionadas numa unidade e harmonia que poucos conseguem escrever e interpretar. O mesmo se pode dizer de “Autre Temps”, tema ainda mais antigo, sendo que o catálogo é impressionante e de dimensão de impor respeito. A finalizar duas músicas do excelente “Kodama”, um outro disco simplesmente extraordinário: “Oiseaux de Proie” e a faixa-título. Que concerto!!!! Que final de noite!!!

O terceiro dia também prometia ser bem cheio mas infelizmente não conseguimos chegar ao Felsenkeller a tempo de ver os Harakiri For The Sky. Chegamos a tempo de assistir a um portentoso concerto dos Natchblut perante um Felsenkeller completamente a abarrotar e registrar temperaturas bem elevadas (a ventilação não é um dos fortes da sala, o que até já mereceu um comentário dos Cradle of Filth quando lá tocaram). Practicantes de um dark metal com imensas toadas sinfónicas, riffs grooventos e vocais a buscarem imensa inspiração aos já mencionados Cradle, os Nachtblut têm já uma respeitável reputação. Quanto ao respetivo concerto, a banda teve sempre uma imensa energia e garra o que fez com que ninguém saísse da sala, apesar do desconforto da temperatura, qual sauna. Temas como “Multikulturell”, “Töte Mich” ou “Amok” levaram os espectadores à loucura.

De seguida, tivemos os Lacrimae Profundere que nos apresentaram o seu Goth Rock/Metal um tanto ou quanto morno, o que até ajudou a refrescar a sala. Depois da energia e pujança dos Nachtblut, todos os seguintes sofrem com a subida ao palco e ao confrontarem-se com uma sala bem mais vazia. Quanto à postura da banda, foi bastante competente e fez o que lhe competia sendo que a sua sonoridade não será propriamente o nosso “cup of tea”. A abertura foi com “Dead to Me” (pareceu-nos…), sendo que o vocalista Julian Larre estava em constante interação com o público e foram pouco os momentos em que esteve quieto em cima do palco. O resto da banda acompanhou numa compostura mais comedida mas, ainda assim, eficaz para o estilo e ambiente em causa. Foi um bom concerto mas, como mencionado acima, não ficamos impressionados de forma alguma. Depois foi a vez dos Suecos Mister Misery. E o que dizer do concerto deste quarteto? Não foi uma miséria mas não andou muito longe. Uma vez mais, não sendo o nosso “cup of tea”, tentamos avaliar e apreciar o concerto mas foi complicado. O que assistimos foi a um Horror Metal com muitas influências de hardcore e vocalizações (por vezes demasiado) melódicas. Foi um concerto aceitável ao qual não conseguimos assistir até ao fim pois estava na hora de nos deslocarmos à Schauspielhaus, uma espécie de coliseu, para assistir ao highlight da noite e, certamente, um dos destaques mais assinaláveis desta edição. Estamos a falar de Lindy Fay, conhecida vocalista dos Wardruna, que desta feita estava acompanhado dos seus Drei Farne para apresentar o seu disco de estreia. E que concerto este! Primeiro, há que mencionar a excelente acústica da sala que, juntamente com a classe e eloquência da mesma, se relevaram pormenores que potenciaram ainda mais a magia deste quarteto. Depois, a vocalista em si que aqui se releva mais desprendida, liberta e sem receio de explorar todas as suas influências e de demonstrar toda a pujança e versatilidade da sua belíssima voz. A banda que a acompanha em estúdio e ao vivo, os Drei Farne, deram também um excelente concerto revelando um profissionalismo e tecnicismo só possível para músicos deste calibre. A sala ficou completamente encantada e fascinada com aquilo que se via e ouvia em cima do palco e practicamente todo o disco “Hildring” foi tocado na perfeição. Músicas como “Los”, “Seafarer”, “Three Falling Stones” e “Nåke Du Finn” foram algumas das escolhas dos músicos que fizeram questão sendo que, na última, os gritos de Lindy ganham uma nova expressividade e beleza que só uma vocalista deste nível consegue impor em registos ao vivo. As sonoridades dançaram entre um dark pop, com bastantes influências folk, jazz e até prog num concerto de mais de uma hora. Pessoalmente, saí da sala completamente siderado e a desejar que tudo tivesse sido gravado para uma posterior edição. Esperemos que a banda o tenha feito durante uma das datas da digressão.

A noite terminou com a ida ao centro nevrálgico do festival, a Agra Messe, para assistir ao concerto do veterano e lendário Gary Numan. Com uma carreira iniciada na década de 70 e depois de criar géneros e redesenhar outros, Gary apresenta-se numa digressão em que visita o seu mais recente “Intruder”, sendo que o concerto se iniciou com a aditiva faixa-título. A nave principal da Agra estava cheia pelas costuras apesar da hora já tardia, o concerto começou às 00:45, o que não impediu Gary de dar um concerto demolidor. “Metal” permitiu-nos viajar no tempo e revisitar um clássico com quase mais de 40 anos enquanto que “Pray For The Pain You Serve” e “Is This World Not Enough” nos trouxeram de regresso aos seus trabalhos mais recentes. De notar que todas as fases da sua carreira apresentam temas clássicos, obrigatórios e até consensuais pelo que a resposta eufórica da audiência foi uma constante e algo bastante bonito de se ver. “Are ‘Friends’ Electric?”, de 1979 (!!!), ouviu-se antes da primeira pausa para o encore, sendo que até houve um segundo, tenho o concerto terminado com “The Gift” e “The Poison”. Um concerto impressionante dado por quem já anda nisto há mais de quatro décadas a definir e redefinir géneros e a não desiludir toda uma legião de fãs que abrange as faixas etárias cobertas por essas mesmas décadas! Impressionante!

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