Throane – Caminhar sobre brasas

Dehn Sora, músico e artista gráfico, surpreende-nos com um EP baseado na percussão e com um título aparentemente simples, mas que tem muito que se lhe diga.

Entrevista: CSA
Info: Throane | Debemur Morti


Saudações, Vincent! Espero que esteja tudo bem contigo.

Vincent – Muito obrigado. Desejo-te o mesmo.

Entrevistei-te sobre o teu segundo álbum («Plus une Main à Mordre»). Como foi recebido pela crítica e pelos fãs?

O álbum foi acolhido de forma muito positiva, penso eu. Na realidade, tenho dificuldade em me aperceber disso. Mas o retorno que recebi do público, dos críticos e dos que me são próximos foi entusiástico. No entanto, eu acabo por me concentrar pouco nesse aspeto. Se o próprio ficar contente, já é uma grande vitória.

Agora foi o EP intitulado «Une Balle dans le Pied» que chamou a minha atenção.

– Conheço a expressão, que também existe em Português. Por que razão a escolheste para ser o título do teu próprio lançamento?

Antes de mais, é um sentimento global que se impôs durante a fase de gravação. O seu título inicial poderia ter sido diferente. Mas eu tinha a sensação de que registar este título equivaleria a passar a uma grande fase de questionamento sobre aspetos como “será que o fim do processo me permitirá alcançar uma certa plenitude ou me vai deixar ainda mais deprimido?” e a segunda expressão parecia-me mais possível. Avancei com a sensação de caminhar sobre brasas. Para mim, pode-se fazer uma dupla leitura deste processo. Não se pode parar, porque se corre o risco de desmoronamento. Mas continuar também será um processo doloroso. Mas avançar estando ferido significa que o coração está a bater.

– Este EP anuncia a saída de um terceiro álbum para breve?

Para breve, não sei, as coisas acontecem por vagas. Mas penso que a linha diretriz já está traçada. Essa ideia torna-se cada vez mais clara. Estou à espera do próximo ano.

Na notícia sobre o EP, falas de duas canções unidas e o EP apresenta uma única canção bastante longa (mais de 10 minutos).

– Podes explicar-nos melhor a natureza desta composição?

Tenho tendência para compor música de forma muito instintiva, a estrutura funciona como um elemento antecipatório. Concebo as coisas antes como a forma de avançar descrita acima. Portanto, há muito poucas hipóteses de alteração do plano previsto.

Baseio-me muito na respiração. Há uma muito evidente, que eu sinto como uma tensão constante. Esta respiração pode cortar a faixa em duas partes. Uma não passa com a outra, na minha opinião. Daí a decisão de integrar os dois formatos: CD e vinil.

– Podes também falar-nos um pouco da forma como compuseste este EP?

Foi feita de forma muito mental. Mesmo antes de pegar nos instrumentos, eu já tinha na cabeça vários pontos-chave da composição. Depois tudo aconteceu muito depressa, de uma forma muito semelhante ao que aconteceu com os trabalhos anteriores. As coisas amadurecem e depois chega o momento de concretizar. Procuro viver esse momento e também aconteceu aqui. É sobretudo guiado por imagens mentais, predominantemente pictóricas. Procuro transcrevê-las na música.

“[…] Não se pode parar, porque se corre o risco de desmoronamento. Mas continuar também será um processo doloroso. Mas avançar estando ferido significa que o coração está a bater.”

Dehn Sorah

Na última vez, havia uma foto da tua mãe na capa do álbum. Desta vez, é a tua irmã.

– Pode-se dizer que a tua família é cúmplice do teu processo de criação?

Isso não acontece no quotidiano. Para a capa de «Plus une Main…», não tinha pensado na minha mãe inicialmente. Mas a ideia surgiu quando comecei a trabalhar no artwork. Nesse momento, concluí que não podia ser mais ninguém. É um projeto muito pessoal e, para ser sincero, o facto de implicar membros da família intensificou muito o sentido (o que acontece em cada artwork).

– O que representa esta foto em que os pés desempenham um papel tão importante como previsto?

Há uma relação muito estreita entre o título e também uma alusão a uma outra expressão: “andar sobre vidro”. Essa expressão significa “ser prudente”. Eu procuro conciliar vários símbolos nessa capa. Os pés são o princípio da energia, do nosso equilíbrio. Uma bala no pé significa que se avança, tendo-se sabotado a si próprio. Paralelamente, a capa mostra alguém que cuida de si. Ou que se está a esquecer da prudência associada à segunda expressão. Há muitos paradoxos, muitos sentidos que se entrechocam a circular entre o título e a capa. Espalhei pistas, que curiosamente apontam para algo que aconteceu mesmo. Pouco depois de ter enviado os ficheiros à Debemur Morti para serem impressos, sofri um ferimento no pé com vários centímetros e por pouco não tinha de ser operado.

– Por que aparecem as mãos na capa também?

Representam qualquer coisa que também pode ser ferido. Ao querer retirar um vidro de um copo partido espetado em algum lado, podemos magoar as mãos.

– E por que decidiste pedir à tua irmã que posasse para ti? Essa ideia tem alguma coisa a ver com ela especificamente?

Na primeira versão da capa, não havia nenhuma figura humana. E eu sentia que faltava alguma coisa. Queria usar uma figura real. Seguindo a lógica dos artworks anteriores, escolhi a minha irmã porque ela é enfermeira. O que se vê na capa é um gesto que faz todos os dias, que precisa de precisa de fazer todos os dias para se preparar para o dia seguinte. Para além do símbolo global, ela também é alguém que eu respeito imenso pela sua coragem e que admiro por arvorar sempre um sorriso, apesar de tudo o que tem de suportar.

A música deste EP aposta muito na percussão. Podes comentar este lado inusitado desta obra musical?

É verdade. O ritmo é um instrumento em si, na minha opinião. Encaro cada vez mais o ritmo, a bateria, a percussão como elementos sonoros tão frontais, tão importantes como uma guitarra. A percussão joga com tons diferentes, permite criar o desequilíbrio no ritmo, ou uma agressão frontal, ou um ambiente tranquilo. É um terreno que tem muito a explorar.

O marasmo cultural em que esta pandemia nos precipitou afetou/irá afetar muito este lançamento?

Afetou muito os meus planos a nível pessoal, mas eu aguento-me. Tenho facilidade em ultrapassar as coisas e sinto-me grato por isso. Quanto ao EP, penso que a apresentação feita foi muito ambiciosa. Preferia que tivesse sido tão primordial como a substância. E também que, no momento que vivemos, as pessoas podem ter levado a mal o preço final dado tratar-se de um EP. Ou até muito simplesmente o facto de ser um EP. Mas não sei dizer ao certo. Espero sobretudo que isso não tenha afetado a editora.

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